sexta-feira, 28 de janeiro de 2022

Assassinato na Ópera de Marcelo Gomes - conto de suspense requintado, com a Detetive francesa Louise Bonnet

 


           Um ano se passou após os assassinatos no expresso 158, o caso teve bastante repercussão na mídia internacional por envolver nomes importantes em seus países.

Uma das passageiras voltava para casa depois de uma longa pausa fora dos palcos, Mirella Caruso a famosa cantora de ópera e seu marido estavam retornando à Itália depois de umas férias na Grécia, país ao qual Mirella era apaixonada e desejava um dia morar por lá, ainda carregava consigo noites mal dormidas e pesadelos devido aos acontecimentos traumáticos no expresso 158.

Chegando a sua casa, em Roma, foi recebida por sua fiel empregada Marie, filha de pai brasileiro e mãe italiana, uma mulher já idosa, mas que gostava de conversar e era muito curiosa, Mirella costumava dizer que Marie preenchia uma casa, mesmo ela estando vazia, tamanha disposição e a sua língua afiada.

Marie a recebeu com um sorriso no rosto e foi logo abraçando Mirella.

- Senhora Mirella, que saudades! Conte-me como foi a viagem? Perguntou.

- Bom ver você Marie, foi boa querida e deu para descansar bastante.

- E onde está o senhor Enzo?

- Está lá fora atendendo uma pessoa, mas não sei quem é.

- Mal chegamos e já estão à nossa procura, parece que sentem nosso cheiro ou ficam nos espionando, como espiões escondidos nas moitas.

- Eles são como moscas que se você mata uma aparecem mais dez, começou a rir.

Enzo entrou correndo na casa e estava eufórico, recebera uma notícia muito boa e queria contar de imediato para Mirella, na sua ansiedade nem reparou em Marie.

- Mirella você não vai acreditar com quem eu estava falando agora?

- Quem Enzo? Você passou reto pela Marie e não a cumprimentou, seja educado.

- Desculpe Marie, é que fiquei muito contente com a notícia e não percebi você, me perdoe.

Abraçou Marie e lhe deu um beijo carinhoso no rosto.

- Não tem problema senhor Enzo, estou feliz que vocês voltaram para casa, disse Marie sorrindo.

- Bom agora preciso falar, está preparada Mirella?

- Conte de uma vez homem que mistério é esse? E quem era o homem misterioso lá fora?

- Eu estava falando com o assistente do diretor da nova ópera musical que estreia daqui a um mês e. deu uma pausa e voltou a falar:

- Vai incluir uma sequência do cisne negro na trama e você está escalada para o papel principal, não é incrível?

Seu rosto esbanjava uma alegria nunca vista por Mirella, ele sorria como se fosse uma criança. Mirella soltou um grito de alegria e pulou nos braços de Enzo o enchendo de beijos. Marie observava os dois e sorria de alegria, agradecia a Deus com as mãos juntas e ambos se abraçaram. Mirella estava tão feliz que começou chorar, quando jovem era bailarina e sempre sonhou interpretar o cisne negro.

- Em uma ocasião quase conseguiu, se não fosse um problema em seu joelho que a tirou do espetáculo e acabou com seu sonho.

- Eu não estou acreditando Enzo, é um sonho que vai se realizar depois de anos.

- Você merece minha querida e tenho certeza que você vai brilhar e ser aplaudida de pé.

- Obrigado querido por você sempre me apoiar mesmo nos momentos ruins, eu amo você, e Marie, também amo você, é como se fosse uma segunda mãe e faz parte da família.

- Obrigada senhora Mirella, eu também amo você como uma filha.

As duas se abraçaram por um tempo e Marie enxugou as lágrimas de Mirella carinhosamente.

- A senhora deve estar cansada da viagem, quer que prepare um banho quente ou algo para comer, talvez um suco ou uma fruta? Perguntou Marie.

- Nossa você leu meus pensamentos Marie, preciso de um banho quente em minha banheira e uma taça de champanhe para comemorar, você me acompanha Enzo?

- Mais tarde quem sabe, preciso ligar para Lorenzo e dizer que você aceitou o papel, não se preocupe comigo, tome seu banho quente e relaxe um pouco, pois teremos uma semana corrida de ensaios e quero você linda e disposta.

Deu um beijo no rosto de Mirella e foi para a biblioteca fazer a ligação. Mirella estava relaxada em sua banheira, tomando uma taça de champanhe, quando Marie bateu na porta e pediu licença para entrar.

- Pode entrar Marie, você é de casa.

- Desculpe interromper seu banho, eu gostaria de saber se a senhora quer algo especial para o jantar esse noite?

- Eu não sei ainda se vamos comer em casa Marie, talvez a gente saia para comemorar em algum restaurante chique, que Enzo tanto gosta, talvez no Bambines, que servem uma lasanha maravilhosa, se bem que tenho que evitar massas, pois preciso estar dentro do peso até a estreia, não se preocupe com isso minha querida.

- Como queira senhora, mas se mudar de ideia estou à disposição.

Enzo estava sentado em uma poltrona lendo o jornal diário, pois queria saber das notícias, tinha ficado um mês fora e estava desatualizado, escutou alguém chamando seu nome no corredor era Mirella.

- Estou aqui na biblioteca, querida.

- Você esta ai Enzo, falou com o diretor Lorenzo?

- Sim falei, está tudo certo com o sua participação, os ensaios começam na segunda pela manhã e ele está muito feliz que você aceitou, você sabia que o ministro Luigi foi excluído do cargo por corrupção, onde vai parar esse país com esses políticos corruptos?

- É uma pena mesmo, eu achava que ele era um homem do bem, mas me enganei, você acha que estou preparada para algo tão grande assim Enzo? Fale com honestidade.

Enzo colocou o jornal de lado e se levantou colocando os braços nos ombros de Mirella.

- Mas é claro minha querida, você já nasceu pronta e ninguém melhor do que você para esse tipo de espetáculo, você vai brilhar mais que as luzes do teatro.

- Obrigado meu querido, você sempre tem uma palavra de conforto e é por isso que amo tanto você, o que você acha de irmos jantar fora hoje? Talvez no Bambines, o que acha?

- Seria ótimo querida, vou tomar um banho e saímos às sete em ponto.

- Mas não reservamos uma mesa.

- Não precisa de reserva, você esqueceu quem você é, eles fazem questão de sua presença por lá e além do mais, seu nome atrai clientela para eles. Mirella janta no Bambines e come uma salada com peixe ao molho de ervas, essa será a notícia de capa no jornal matinal, o que você acha?

- Não seja bobo, não sou tudo isso que você diz, vou me arrumar enquanto você toma um banho.

Quando chegaram ao Bambines foram recepcionados como celebridades e encaminhados imediatamente para uma mesa, onde foram atendidos diretamente pelo chef Pietro, um dos mais reconhecidos cozinheiros da Itália.

- Minha querida Mirella quanto tempo! Está maravilhosa como sempre.

- Obrigado Pietro, vindo de você a noite fica mais emocionante.

- E você Enzo, como consegue ficar casado com uma mulher tão linda e não se preocupar com os lobos que andam por ai a solta?

- Eu estou sempre por perto Chef, não deixo ninguém chegar perto o suficiente de minha amada.

- Vocês querem algo especial para essa noite, podem pedir o que quiserem que farei eu mesmo para vocês, com toque especial do chef.

-Na verdade estamos comemorando a nova fase na vida de Mirella, ela vai ser a estrela principal da nova ópera escrita pelo renomado diretor Lorenzo Milão, ela fará o cisne negro adaptado para esse espetáculo.

-Mas que maravilha Mirella, fico muito feliz em saber e certamente estarei lá na sua estreia, mas isso pede champanhe, e que tal um belo salmão ao molho de ervas, um purê de aipim e uma salada sortida, o que vocês acham? Perguntou o chef Pietro.

- Excelente escolha chef, disse Enzo.

Pietro pediu licença e foi direto para a cozinha preparar o jantar especial para o casal.

- Nossa Mirella, às vezes eu acho que ele tem uma queda por você, ele se derrete todo quando fala com você.

-Não seja infantil Enzo, ele é um homem simpático e educado e no mais é muito velho para mim.

-Hum, quer dizer que se fosse mais novo... foi interrompido por Mirella.

- Chega de bobagem, não viemos aqui falar de relacionamento e sim comemorar, além do mais, estou um pouco nervosa com esse papel, cisne negro é algo que nunca imaginei fazer e não sei se vou conseguir…

- Não diga isso Mirella, você é capaz e sabe disso melhor do que ninguém, tire isso de sua cabeça e dê seu melhor, nada pode parar você agora e esse vai ser o auge de sua carreira, tenha fé.

- Eu sei disso só não me sinto confortável, ainda tenho pesadelos com o que aconteceu naquela viagem para Londres e todas aquelas mortes.

- Esqueça isso de vez, é passado e não foi sua culpa se um louco resolveu fazer vingança com as próprias mãos.

- Eu sei disso, mas não me conformo com o fato de eu estar lá com você, imagina se algo acontecesse com um de nós.

-Esqueça isso, nada aconteceu e estamos bem e me prometa que não vai mais tocar nesse assunto, prometa Mirella, por favor.

- Está bem eu prometo.

-O que você acha de convidar aquela detetive que estava no trem, como é o nome dela mesmo?

- Louise Bonnet, detetive francesa e uma ótima pessoa, e se não fosse por ela, quem sabe ainda quantos morreriam naquele dia.

- É verdade, Louise Bonnet, mulher incrível de se conhecer, disse Enzo.

- Eu vou mandar um convite para ela vir na minha estreia, acho que ela virá sem problemas.

- Com certeza minha querida, quem vai querer perder um espetáculo desses com você como estrela principal?

O restante da noite foi tranquila e de muitas risadas, mas no fundo a preocupação de Mirella e o trauma ainda estavam vivos em sua memória e talvez viessem a influenciar negativamente em seu futuro promissor, suas noites de sono mal dormidas e pesadelos constantes a estavam deixando muito abalada emocionalmente a ponto de pensar em tomar remédios para poder conter sua ansiedade e dormir a noite, algo que até o momento escondia de seu marido Enzo.

Naquela manhã Mirella acordou indisposta e seu humor estava péssimo, sua vontade era de ficar na cama, mas em seu primeiro dia de ensaios não poderia faltar, pegou duas aspirinas em sua cômoda e tomou sem Enzo perceber, não queria que seus traumas viessem a público, por isso estava sendo o mais discreta possível e se fosse possível nem Enzo ficaria sabendo.

Já eram 8 horas quando Marie entrou no quarto com uma bandeja com o café da manhã, estava bem disposta, mas notou que Mirella não estava com uma aparência muito boa e foi logo perguntando:

- O que aconteceu senhora? Sua aparência não está das melhores essa manhã.

- Não é nada não Marie, uma pequena dor de cabeça por causa da bebida de ontem, uma leve ressaca, mas já vai passar.

- Quem sabe um suco de laranja resolva senhora? E, é claro, uma aspirina.

- Já tomei duas hoje logo que acordei, não se preocupe vou ficar bem.

- O senhor Enzo acordou cedo e está na biblioteca, já tomou café e pediu para eu trazer o seu até o quarto, hoje começam os ensaios no teatro senhora e você precisa de forças para enfrentar o dia, então tome seu café e logo vai estar bem de novo.

- Obrigada Marie, o que seria de mim sem você.

- Estou aqui para lhe servir e o que precisar de mim é só chamar.

- Obrigada minha querida amiga, já disse você é da família.

 

O primeiro dia de ensaio

 

Mirella chegou ao teatro às 9h30min em ponto, ficou encantada com o palco e sua estrutura em tons escuros que mudavam de cor conforme a luz refletia, Lorenzo quando a viu correu em sua direção de braços abertos.

- Mirella minha querida que satisfação ter você conosco, está mais linda ainda, o que tem feito? Banhos de sais? Sorriu para Enzo.

- Bondade sua, mas sou a mesma, não me sinto diferente, apenas um pouco mais velha e experiente.

- Não seja modesta, você está linda, não concorda Enzo?

- Com certeza, é a mais bela mulher da Itália.

- O que achou do teatro e o cenário do palco?

- Está muito lindo Lorenzo, um trabalho fabuloso.

- Venha até ao camarim, quero te mostrar a roupa do cisne negro, vai ficar fabulosa em você, veja este é o pessoal que vai trabalhar com você, gente essa é nossa estrela Mirella Caruso.

Todos cumprimentaram Mirella com um sorriso no rosto, menos Tatiana uma bailarina russa que a pouco se tornou cantora lírica, o papel principal seria dela se não fosse por Mirella.

- Veja Mirella que linda sua roupa, o que achou? Perguntou Lorenzo.

- Nossa é maravilhosa Lorenzo! E essas asas lindas com esse brilho quase um azul...

-Sim, conforme a luz bater em você vai parecer que é em azul anil, quando você vestir vai ficar mais linda ainda.

- Não sei como agradecer a você por essa oportunidade.

- Não agradeça, apenas brilhe no palco como você sempre faz.

O primeiro ensaio ocorreu sem maiores problemas, até o momento em que Mirella colocou a roupa de cisne negro, ela não havia sido informada que no último ato seria suspensa por um cabo a mais de cinco metros do chão.

- Acho que não consigo fazer isso Lorenzo, tenho medo de altura.

- Mas é o ponto alto de sua performance, o público irá ao delírio vendo você voar com suas lindas asas.

Enzo acalmou Mirella e pediu que ela tentasse pelo menos sair um pouco do chão.

- O que acha Mirella? Faça apenas um teste, saia um pouco do chão se sentir algum incômodo você para.

- Está bem, eu vou tentar, sou uma profissional, eu consigo.

Um cabo foi colocado por debaixo da roupa na parte das costas de Mirella e aos poucos ela foi subindo, quando chegou a quase três metros pediu ao diretor que parasse, tentou bater as asas, mas se sentiu desconfortável e pediu que a levassem de volta ao chão.

- O que foi Mirella? Perguntou Lorenzo.

- Está muito pesada a roupa, não consigo me mexer direito e muito menos abrir as asas, tenho medo de cair.

- Isso não vai acontecer, você está presa a um cabo feito de aço e quanto à roupa vou ver o que pode ser feito para amenizar o peso, vamos parar por hoje e amanhã à tarde continuamos.

Mirella voltou para casa muito chateada com o que aconteceu, não queria perder a chance de atuar nessa obra, mas não se conformava com o fato de ter que encenar um voo, coisa que não estava em seus planos.

- Eu acho que não vou conseguir Enzo, não estou me sentindo confortável com essa situação.

- Você vai sim minha querida, você nunca desistiu de nada nessa vida e não vai ser agora que vai desanimar.

- Você tem razão, amanhã vou dar tudo de mim e vou conseguir, você reparou em Tatiana, aquela russa e o jeito que ela me olhava, mulher invejosa.

- Não se preocupe com isso, ela não é ninguém comparada a você.

- Você enviou o convite para Louise Bonnet, Enzo?

- Ainda não querida, mas farei isso até amanhã, vou mandar direto para a delegacia onde ela trabalha, pois não sei seu endereço.

Quando Mirella chegou ao teatro no dia seguinte sua roupa estava no palco em um manequim exatamente com suas medidas, ficou espantada de ver como ela brilhava daquela distância do palco, o público iria ficar extasiado com tamanha beleza.

- Mirella minha querida, ajustei sua roupa, acho que agora você não vai ter problema algum com o peso, o material é mais leve e com os ajustes ficou perfeito.

- Espero que sim Lorenzo, pois não quero te decepcionar.

-Você não vai querida, vai brilhar como um anjo, só que em forma de cisne, começou a rir de si mesmo.

Tudo ocorreu bem no ensaio e Mirella finalmente conseguiu fazer sua performance sem nenhum imprevisto, ao poucos tudo foi se encaixando e faltava menos de uma semana para a estreia.

Mirella continuava a base de remédios para dormir e contava com a discrição de Marie para que Enzo não descobrisse.

Um pequeno coquetel ocorreria um dia antes da grande estreia, Mirella teria que se controlar com a bebida, devido aos remédios para insônia que estava tomando, não queria dar vexame e nem que Enzo suspeitasse de algo. O evento seria apenas para o pessoal do teatro e alguns familiares, sem imprensa e figurões locais. Lorenzo estava muito empolgado e fez um pequeno discurso de boas vindas a todos os presentes.

- Boa noite a todos e obrigado pela presença nessa noite agradável, amanhã é nossa grande estreia e desejo a todos uma boa sorte e que tudo ocorra bem, quero dizer também que teremos casa lotada pessoal, todos os ingressos foram vendidos, em menos de uma semana, isso só aumenta a nossa responsabilidade de entregar algo perfeito e nunca visto antes, agradeço a todos e também a nossa estrela Mirella por aceitar meu convite e apesar de alguns pequenos incidentes vai estar maravilhosa no palco, agradeço novamente o empenho de todos e se divirtam essa noite, mas com moderação, pois amanhã é o grande dia, saúde a todos e obrigado.

Todos brindaram e aplaudiram o discurso de Lorenzo. Mirella era uma das mais assediadas por todos e ficou muito surpresa ao ver Tatiana indo em sua direção com um sorriso no rosto.

- Boa noite Mirella, sei que não nos falamos muito nos ensaios, mas gostaria de te desejar toda sorte do mundo na estreia de amanhã.

- Obrigada Tatiana para você também, tenho certeza que todos nós faremos um bom espetáculo.

- Nos vemos amanhã, então boa noite para vocês, disse Tatiana que estava mais amigável do que de costume.

- Nossa Enzo, até fiquei constrangida, nunca imaginei que ela viesse falar comigo e ainda mais me desejar sorte, estou chocada.

- Não se iluda Mirella, ela não é sua amiga, apenas está sendo gentil de um jeito falso e no fundo morre de ciúmes de você.

- Não seja maldoso com a menina, você pode estar enganado a respeito dela.

- Eu conheço de longe esse tipo.

- Conhece e que tipo eu sou para você?

- Você é o tipo de mulher para se casar e amar, você é uma estrela.

- Obrigado querido, mas vamos nos divertir um pouco que amanhã o dia promete.

 

A ópera e o cisne negro

 

O grande dia chegou e o teatro estava lotado, figuras importantes e bem vestidas chegavam a todo o momento, entre elas uma velha conhecida de Mirella, mademoiselle Louise Bonnet e estava radiante em um vestido azul claro, com um lenço branco em seu pescoço, seu lugar era entre as três primeiras fileiras, bem próximo ao palco, uma cortesia de sua amiga Mirella.

Um senhor ao lado tentou puxar assunto com Louise, mas ela não falava italiano e ficou sem entender o que ele dizia.

- Perdão senhor, mas não falo italiano, un peu d’anglais, disse Bonnet, em francês, “um pouco de inglês”.

As luzes se apagaram e entra em cena um homem gordo vestido de preto, ele começa a cantar com uma voz que encanta Louise, ela nunca havia assistido uma ópera antes, logo em seguida entra Mirella deslumbrante em um vestido floreado, a cena era entre pai e filha e Mirella cantava como se estivesse sentindo tudo que o personagem queria, sua voz era angelical. Louise estava encantada com o tamanho de todo espetáculo, nunca imaginou que uma ópera fosse algo tão grandioso e belo.

Vários bailarinos entraram em cena e cercaram Mirella colocando um pano preto sobre ela, quando tiraram ela havia sumido, todos ficaram encantados com a cena e aplaudiram com entusiasmo, Louise estava em estado de êxtase e sorria feito criança.

As luzes se apagaram e o palco ficou em silêncio, então algo grandioso surgiu e quando as luzes iluminaram o palco lá estava ela deslumbrante em seu traje de cisne negro, novamente aplausos eufóricos ecoam no teatro.

Mirella se move graciosamente pelo palco e canta como um anjo, ela bate suas asas, mas não pode voar e em um momento de desespero pede aos céus que lhe deem o dom de voar, em um ato lindo e cheio de emoção ela se ajoelha e canta como se estivesse rezando.

Tatiana entra em cena vestida de anjo cantando uma canção angelical, sua voz é linda e faz algumas lágrimas caírem na plateia. Louise esta emocionada com tamanha beleza, mas um barulho ecoa no palco e um ser vestido de preto e usando capuz rouba a cena, fazendo com que Mirella caia em um buraco negro desaparecendo no palco, outro momento de muitos aplausos.

Tudo fica em silêncio e o que se ouve é a voz do homem misterioso, ele canta com emoção e às vezes sua voz silencia, ouvindo-se apenas tambores rugindo e anunciando que algo está por vir.

As luzes voltam a acender e então novamente surge Mirella com sua roupa deslumbrante, ela está parada no meio do palco olhando direto para a plateia, começa a cantar com sua voz angelical e abre suas asas em movimentos graciosos, quando de repente começa a subir como se estivesse voando para os céus, o público vai mais uma vez ao delírio, ela sobe cada vez mais e enquanto canta bate graciosamente suas asas, de repente ela para de cantar e seu corpo se projeta para frente como se estivesse desmaiado, o público aplaude, mas algo está errado e esse movimento não fazia parte do espetáculo, preocupado Lorenzo faz sinal para que tragam Mirella de volta ao chão, a cortina se fecha e o público aplaude de pé. Enzo corre em direção à Mirella e a chama pelo seu nome, mas ela não responde. Ele pede para Lorenzo chamar por um médico o mais rápido possível.

Lorenzo aparece no palco e pergunta ao público se alguém na plateia é médico, um senhor se levanta e anuncia ser médico geral, então Lorenzo pede que o acompanhe.

Louise está intrigada e quase se levanta de sua poltrona.

O homem ao chegar examina Mirella e afirma que ele está morta, todos entram em choque e Enzo começa a chorar não acreditando no que está acontecendo.

-Como pode estar morta? Verifique de novo isso é impossível.

- Sinto muito senhor, mas não há nada que eu possa fazer.

- Ela é uma pessoa jovem e saudável, como poderia morrer assim de repente?

- Só posso afirmar a causa com uma autópsia senhor, disse o médico.

-Lorenzo tem uma policial na plateia, chamada Louise Bonnet, peça que venha até aqui, por favor.

- Como vou explicar isso ao público que está lá fora? O que digo a eles? Meu Deus isso é uma desgraça e logo no dia da estreia!

- Não é hora de lamentações Lorenzo, minha mulher está morta tenha um pouco de respeito, disse Enzo em tom de reprovação.

- Me perdoe Enzo, eu não queria dizer isso, mas não sei o que fazer agora.

- Faça o que lhe pedi e chame a senhora Louise Bonnet.

Lorenzo voltou ao palco e pediu desculpas ao público, informando que ocorreu um pequeno acidente durante o espetáculo e que no próximo todos voltariam sem custo algum, pediu que todos se retirassem e procurou por Louise Bonnet, que logo após o anúncio se apresentou a Lorenzo.

- Sou Louise Bonnet, detetive francesa, o que está acontecendo senhor, minha amiga está bem? Perguntou.

- Me acompanhe senhora, algo terrível aconteceu e o senhor Enzo pediu que eu a chamasse.

Ao ver Mirella no chão, Louise imediatamente se aproximou do corpo e começou a examiná-lo.

-O que aconteceu Enzo? Ela estava tão bem e de repente acontece isso.

- Infelizmente ela está morta Louise, nosso amigo aqui que é médico já confirmou a morte, só não sabemos a causa.

- Talvez um mal súbito ou algo parecido, ela estava tomando algum tipo de medicação Enzo?

- Que eu saiba não Louise, ela estava bem de saúde, tinha apenas alguns pesadelos por causa dos eventos ocorridos há um ano no expresso 158, além disso, nada demais.

- Algo não está certo meu amigo, ela não tem nenhum sinal de rigidez no corpo, principalmente nos braços e mãos, quando se tem um ataque cardíaco em muitos casos o braço adormece e as mãos se contraem por causa da dor, o doutor aqui pode me confirmar se estou certa.

- Sim senhora, está correto, boa observação.

- E neste caso, ela está bem relaxada para alguém que possivelmente teve um ataque do coração, alguém moveu o corpo?

- Sim, ela estava de bruços e quando me aproximei eu a virei e a chamei pelo nome, mas não me respondeu.

- Bom, ela estava suspensa, quando provavelmente desmaiou, veja Enzo as veias do braço estão bem salientes e escuras e também notei um pouco de sangue no chão ao lado da cabeça, é provável que seu nariz tenha sangrado um pouco, isso só é causado por uma substância nessa vida e ele se chama veneno, meu caro.

- Veneno? Você quer dizer que ela foi assassinada? Exclamou Enzo em tom de pergunta.

- É o que tudo indica meu amigo, me ajude aqui Enzo, quero virar um pouco sua cabeça e olhar atrás do pescoço.

Louise gentilmente virou Mirella com a ajuda de Enzo, a fim de verificar se havia algum ferimento na parte de trás de seu pescoço.

- Eu sabia, veja Enzo, um dardo e provavelmente envenenado direto em sua nuca, está ai a causa da morte doutor, dardo envenenado e eu nunca me engano, provavelmente o assassino estava no alto parado em um andaime, só esperando quando Mirella fosse erguida em seu ato final, depois foi só lançar o dardo e esperar, aposto que ele ficou por uns minutos observando enquanto ela morria, existem pessoas nessa vida que tem certo fascínio pela morte e gostam de ficar observando, enquanto suas vítimas morrem, é o prazer da morte para alguns, isso dá certo poder para eles, um tipo de fetiche se é que me entendem.

- Sinto muito pela sua perda Enzo, ela era uma grande mulher e nem imagino como você está se sentindo, sinto muito mesmo.

- Obrigado Louise, ela gostava muito de você apesar de conviver muito pouco conosco, ela fez questão de convidar você para a estreia.

- É lamentável que ela tenha tido esse fim, mas fique tranquilo, que vou pegar esse assassino custe o que custar, vou pedir à embaixada da França uma autorização para intervir nessa investigação. Farei de tudo para pegar o culpado.

Louise conseguiu a autorização com o consulado da França e agora precisava analisar a cena do crime e encontrar pistas e suspeitos desse evento macabro, mas antes teria que passar pela dolorosa despedida à Mirella.

 

O funeral sem suspeitos

 

Eram 9 horas da manhã de uma terça-feira fria, quando Louise chegou ao cemitério Verano, a neve começava a cair e formava uma atmosfera ainda mais triste e melancólica ao local.

O local estava cheio de pessoas importantes e ao mesmo tempo rostos estranhos para Louise. Enzo estava próximo ao caixão e não continha suas lágrimas, Louise ficou um pouco afastada, pois queria observar os presentes, era muito observadora e sempre dizia que em momentos como esses, muitas coisas são reveladas e rostos ocultos se mostram sem querer.

Notou a presença de Tatiana e, apesar de não conhecê-la a achou muito relaxada e sorridente, conversava com um homem magro e de chapéu, como se estive tomando um café em uma tarde de sol, se aproximou de um senhor muito bem vestido e perguntou sobre a tal mulher sorridente.

- Com licença senhor, poderia me dizer o nome daquela senhorita sorridente ao lado daquele homem magro.

- Acho que o nome dela é Tatiana, mas não a conheço muito bem, e parece que fazia parte do elenco, onde ocorreu esse trágico acidente.

- Muito obrigado senhor.

Afastou-se um pouco e voltou a observar todos os presentes, Lorenzo se aproximou de Tatiana e disse algo em seu ouvido que a fez sorrir novamente, Louise ficou intrigada com a cena, tirou um bloco do bolso e anotou algo.

Apesar de alguns fatos isolados Louise não conseguia ver nada além do normal e ninguém com ar de suspeito, todos estavam agindo normalmente, como se deve em um funeral, mas as aparências enganam e Louise sabe muito bem disso.

A imprensa estava em peso no funeral e até um começo de tumulto começou perto dos pais de Mirella, mas logo foi contido pelos seguranças do local, seus pais já eram idosos e estavam desolados e a toda hora eram consolados pelos presentes.

O local onde Mirella seria enterrada era muito bonito e chamou a atenção de Louise, havia dois anjos ao lado de um mausoléu esculpido em arte vitoriana, com lindas pedras em azul, muitas flores em volta e uma estátua de bailarina enfeitava a entrada.

Louise ficou muito emocionada ao ver a pequena bailarina que quase veio às lágrimas, mas se recompôs e lembrou que apesar de estar ali para dar o último adeus a Mirella, ainda estava a trabalho, não podia deixar que suas emoções interferissem em seu julgamento pessoal.

Um jovem se aproximou de Enzo e os dois se afastaram por alguns minutos, ele fazia gestos com as mãos e Enzo parecia preocupado como se quisesse acalmá-lo, Louise achou a cena bem estranha em se tratando de um funeral de sua esposa.

Apesar de algumas especulações nada de diferente aconteceu para que Louise suspeitasse de alguém.

A cerimônia tinha chego ao final e Enzo foi o último a ir embora, ficou uns minutos em frente ao mausoléu pensativo e depois se retirou, Louise aproveitou o momento e foi ao seu encontro, com um abraço apertado e palavras de consolo.

- Tenha força meu amigo, é um período difícil que você está passando, mas vai amenizar sua dor com o tempo, tudo a seu tempo e ele não vai curar sua ferida, mas vai acalmar um pouco seu coração.

- Obrigado Louise, agradeço sua atenção e sua presença neste momento difícil para mim.

- Eu sei que não é uma boa hora, mas gostaria de saber quem era o rapaz bonito que chamou você para uma conversa.

- Rapaz bonito? Começou a rir... .era meu irmão Luca, ele é um jovem rebelde e está sempre me pedindo dinheiro, não costuma ficar muito tempo em nenhum emprego, fiquei aborrecido com ele por vir me pedir favor, logo em um dia como hoje.

- Entendo sua posição, também ficaria chateada com essa situação, mas me diga aquela moça Tatiana que estava conversando com Lorenzo, ela era próxima de Mirella?

- Na verdade não, as duas se conheceram no teatro, mas não eram amigas e, para falar a verdade, existia um pouco de ciúmes da parte dela, em relação ao papel principal ser dado a Mirella.

- Bom, mas isso não seria um motivo para matar alguém, a não ser que ela tenha uma mente muito doentia, nesses últimos dias de Mirella você notou algo de diferente em seu comportamento?

-Na verdade não, tirando sua insônia e pesadelos nada de diferente, ela estava bem feliz, com seu novo desafio e, claro, o cisne negro, era um desejo desde criança.

-Entendo meu querido, vou precisar fazer um dossiê de algumas pessoas do teatro e gostaria de sua ajuda, se eu precisar.

- Pode contar comigo Louise, se precisar estarei a sua disposição.

A neve começava a aumentar e o frio era quase insuportável, os dois se despediram e seguiram caminhos diferentes.

 

Um tipo de veneno incomum

 

Louise tinha acordado cedo naquela manhã e após tomar um café em seu quarto de hotel, se dirigiu até o departamento de polícia para conversar com o legista, que fez a autópsia no corpo de Mirella, estava curiosa para saber se sua teoria estava correta, se realmente foi usado veneno no dardo e qual o tipo.

- Bom dia cavalheiro, sou Louise Bonnet, detetive da policia francesa e estou investigando um assassinato, preciso conversar com o legista encarregado da autópsia de Mirella Caruso.

Louise era fluente em inglês além de sua língua natal, de italiano entendia muito pouco.

- Madame Bonnet pode se dirigir ao final do corredor e descer uma escada, quando chegar ao final é a segunda porta à direita, ele está esperando pela senhora.

- Obrigado monsieur.

Quando Louise entrou no necrotério sentiu um forte cheiro de formol, que a fez quase tontear a ponto de ter ânsia de vômito.

- Bom dia cavalheiro, estou aqui para saber o resultado da autópsia de Mirella Caruso, sou da polícia francesa e estou encarregada do caso.

- Muito prazer madame, eu estava a sua espera mesmo.

- O que o senhor descobriu de importante para mim?

-Bom, vou começar pela causa da morte, envenenamento e parada cardíaca.

- Eu sabia que era veneno, eu nunca me engano senhor, mas continue.

- Como você já deve saber ele foi injetado por um dardo atirado por algum tipo de zarabatana ou um cano bem longo, pela distância do alvo, o que me deixou intrigado foi o tipo de veneno, que é muito raro e não se encontra por aqui. É uma Substância tóxica extraída de plantas do género Strychnos e Chondodentron da América do Sul, utilizada, pelos índios sul-americanos como veneno das flechas, matando por paralisia dos músculos respiratórios, mais o fato de ela ter em seu sangue uma grande quantidade de aspirina, o que fez com muita rapidez o seu coração parar.

- Então o nosso assassino é uma pessoa de muitos recursos e bem informada, um bom conhecedor de culturas estrangeiras e bem viajado, interessante isso.

- Para ter acesso a esse tipo de veneno ou ele viajou para o Brasil ou alguém trouxe para ele.

- Bom, isso é algo a ser descoberto, obrigada pelo seu tempo.

Louise ficou muito intrigada com o fato de o veneno ter vindo de tão longe, algo a ser verificado o mais rápido possível e uma pista muito importante para achar o verdadeiro assassino. Teria que fazer uma busca completa nos possíveis suspeitos, que até então ela não tinha, mas como investigar algo que até o momento está fora de seu alcance?

Mas ela é uma mulher inteligente e não desiste fácil, iria até o fim para pegar o culpado por matar sua amiga Mirella.

 

 

 

 

Dossiê de possíveis suspeitos

 

Louise resolveu conversar com Marie a fiel empregada de Mirella, ficou sabendo por Enzo que as duas tinham um relacionamento muito íntimo e quase materno.

- Muito prazer em conhecer você Marie, sinto muito pela sua perda e sei que vocês eram muito próximas, eu me chamo Louise Bonnet, sou detetive da polícia francesa e estou investigando o assassinato de Mirella, não sei se você está sabendo que foi um crime?

- Eu fiquei sabendo sim, pelo senhor Enzo, fiquei chocada com tudo isso e não imagino quem poderia querer o mal de uma pessoa tão adorável quanto a senhora Mirella.

-É por isso que estou aqui, vou pegar esse criminoso nem que seja a última coisa que eu faça nessa vida.

- Me tire uma dúvida minha senhora, Mirella estava tomando algum medicamento nos últimos dias, talvez aspirina ou algo parecido?

- Eu vou lhe contar, mas o senhor Enzo não pode saber que eu sei disso, peço sua discrição quanto ao assunto.

- Conte comigo, serei o mais discreta possível.

- Após voltar de viagem, a senhora Mirella começou a reclamar de muitas dores de cabeça e à noite não conseguia dormir e quando pegava no sono tinha pesadelos com o ocorrido naquele trem, onde morreram algumas pessoas, foi então que ele me pediu que comprasse aspirinas para ela, às vezes tomava duas por noite ou mais, mas sem o senhor Enzo saber.

- Entendo e isso fazia com que ela dormisse bem à noite?

- Creio que sim, pois não me reclamou mais…

- Me diga uma coisa a senhora é daqui mesmo, nasceu na Itália?

- Sim senhora, nasci aqui em Roma, mas meu pai é do Brasil, conheceu minha mãe em uma viagem e alguns meses depois se casaram vindo a morar aqui em Roma.

- Então a senhora tem parentes no Brasil?

-Tenho sim, mas não tenho contato com eles, não tenho dinheiro para viajar, mas já me comuniquei por carta com um primo que mora na Amazônia.

-Hum, interessante isso, me diga o senhor Enzo nunca viajou para o Brasil?

-Não senhora, que eu saiba nunca.

-Muito bem Marie, se eu precisar entrar em contato com seu primo no Brasil você teria o endereço dele?

-Sem problemas senhora, mas qual a relação disso com o crime?

-Nada por enquanto, mas pode vir a ter algo, eu entro em contato com você se precisar e não comente com ninguém o que conversamos, passar bem.

O próximo dossiê seria de Lorenzo, o diretor do teatro e responsável por Mirella estrelar na ópera.

Louise chegou ao teatro às 10 horas da manhã, estava visivelmente irritada com o frio que fazia lá fora.

- Nossa, mon dieu, quase caí no chão de tanta neve, bom dia diretor como vai?

- Muito bem senhora, apesar dessa tragédia que se abateu sobre nós.

- Eu vou ser bem direta com você e gostaria que o senhor fosse o mais verdadeiro possível nas suas respostas.

- Com certeza, vou ser detetive.

- Me diga como era o relacionamento do elenco com Mirella?

-Ela era querida por todos até onde eu sei e em pouco tempo de ensaios conquistou todo mundo.

-E Tatiana a menina russa? Eu fiquei sabendo que ela tinha ciúmes de Mirella.

- Não a ponto de fazer algo para prejudicá-la, é uma jovem ambiciosa e quer ser reconhecida, mas nada, além disso.

- No momento que ocorreu o crime havia alguém na plataforma superior do teatro? Indagou Louise.

- Não senhora, quem controlava o cabo que suspendia Mirella ficava atrás do palco, todos os movimentos de palco são feitos aqui embaixo.

- Então qualquer pessoa poderia subir até lá, sem ser visto e sair rapidamente.

- Com certeza sim, até porque todos estavam distraídos no momento do crime e a luz às vezes ficava bem fraca, devido às trocas de cenas.

- Eu posso falar com esse homem, que controla os movimentos de palco.

- Sim claro, ele se chama Antônio, é de Portugal, vou chamá-lo.

Louise ficou observando a estrutura acima do palco e imaginando de onde o assassino lançou o dardo e por quanto tempo ficou parado observando, antes de sumir do teatro.

- Esse é Antônio, o nosso encarregado do palco.

Era um homem tímido e de meia idade, acenou com a cabeça cumprimentando Louise.

- Vou fazer umas perguntas ao senhor e gostaria que você fosse o mais verdadeiro possível.

- Sim senhora, pode perguntar.

- Apesar de toda a correria daquela noite, alguma coisa incomum ou alguém diferente foi notado pelo senhor?

- Eu estava bem ocupado para perceber algo fora do comum, a luz toda hora mudava e muita gente circulava pelo teatro, que eu lembre nada de diferente aconteceu naquela noite.

-O senhor por algum momento saiu do seu lugar, talvez para ir ao banheiro ou beber algo?

-Sim teve um intervalo entre um ato e outro, que fui ao banheiro, lembrei-me de algo que vi nessa hora.

- O que foi que você viu? Indagou Louise.

- Quando estava indo em direção ao banheiro, notei um homem saindo pelos fundos, ele me olhou rapidamente, mas não consegui identificar quem era, pois estava usando um chapéu escuro e um lenço tapando seu rosto, achei que era um dos figurantes e não dei atenção, foi isso.

-O senhor identificaria esse homem, se o visse de novo?

-Provavelmente não senhora, foi rápido e não vi seu rosto, mas posso dizer que era de estatura mediana, em torno de 1,75 de altura.

- Agradeço pelo seu tempo, o senhor foi de grande ajuda hoje.

Louise anotava tudo em seu bloco de notas e uma das frases dizia: “provável assassino, 1,75 de chapéu e lenço no rosto”.

- Preciso que o senhor me informe o endereço de Tatiana, quero conversar com ela.

- Ela mora na Rua Pasadena número 35, apartamento 12.

Louise demorou um pouco para achar o endereço, pois não conhecia a cidade, mas perguntou a um vendedor de rua e o mesmo fez um pequeno mapa em um papel para ela. Depois de caminhar um pouco, finalmente encontrou o endereço, era um local meio escondido e para chegar ao prédio teria que passar por um pequeno beco, o local era bem mal cuidado e havia ratos por toda parte.

Louise entrou no prédio e teve que subir quatro andares de escada, estava exausta, quando bateu na porta de Tatiana.

- Bom dia, você é Tatiana que trabalha com Lorenzo no teatro.

- Sim, quem é você?

- Sou Louise Bonnet, investigo o assassinato de Mirella Caruso, posso entrar estou cansada e com sede.

- Claro pode entrar, fique à vontade, só não repare na bagunça, não tive tempo de arrumar ainda, me mudei a pouco para cá, vou pegar um copo de água para você. Não prefere outro tipo de bebida ou um café detetive? Perguntou Tatiana.

- Não obrigada, a água já esta bom.

- Em que posso ajudar detetive, imagino que seja algo relacionado ao assassinato de Mirella estou certa?

- Assassinato? Eu disse que era um crime de onde você tirou isso?

- Dos jornais minha cara, está em todos os jornais de Roma.

- Imagino que sim, mas me diga como era seu relacionamento com Mirella?

- Não éramos as melhores amigas, mas dentro do teatro somos profissionais e nos tratamos com respeito, independente da sua posição dentro do espetáculo.

- Eu fiquei sabendo que antes de Mirella ser escolhida para ser o cisne negro, era você que faria o papel é verdade?

- Sim, é verdade, mas Lorenzo me achou muito nova e inexperiente para um papel tão dramático e complicado como esse, ele me prometeu futuros papeis principais.

- Hum, entendo, e você notou algo de diferente naquela noite, algo incomum em uma ópera ou alguém estranho andando pelos bastidores?

-Devido a correria que há num espetáculo desse porte não temos tempo de nem ir ao banheiro e muito menos de prestar atenção em nada que não seja relacionado ao próximo ato.

- Entendo perfeitamente o que você quer dizer. Aquele homem que estava com você no funeral de Mirella, quem era ele? Vocês pareciam bem próximos e sorridentes para um funeral.

- Ele faz parte do elenco da ópera, seu nome é James ele é inglês e gosta de contar piadas, eu falei para ele parar, pois não era o local para esse tipo de coisa, sabe como são os ingleses sempre fazendo piada com tudo.

- Eu sei como é esse tipo de gente, já tive um relacionamento com um homem inglês e não foi dos melhores, mas faz muito tempo e como posso falar com ele?

-Ele é um homem difícil de encontrar, não sei seu endereço, mas ele está sempre no teatro, até parece que mora por lá.

-Obrigado pelo seu tempo, se precisar volto a procurar você.

Agora Louise precisava localizar o tal homem inglês e confirmar a história de Tatiana.

 

De volta ao teatro

 

O teatro Ópera de Roma era conhecido por sua estrutura belíssima, mais parecia um templo romano, na entrada vasos de flores e algumas estátuas de homens e mulheres belíssimas, o chão era coberto por um tapete vermelho que cobria até a parte das escadas que dava acesso ao palco, no teto uma pintura simulava uma ópera em tons de arco íris, e sua estrutura era sustentada por belos pilares de mármores, em branco marfim.

Quando Louise voltou ao teatro parou no saguão e começou a observar os detalhes do lugar, não tinha percebido o quanto era bonito e imponente, a pintura no teto parecia ter vida própria tamanha perfeição dos detalhes, os italianos sempre foram bons em retratar pessoas e objetos, pensou ela.

E esse tapete dá até vontade de deitar e tirar uma soneca sobre ele, os panfletos do espetáculo ainda estavam expostos, Louise pegou um e começou a olhar a foto de Mirella, imaginando seus últimos momentos, que foram da glória até sua morte. Guardou o panfleto e seguiu em direção ao palco, Lorenzo estava sentado em uma poltrona, na primeira fila, lendo uma manchete do jornal que dizia: “A queda de uma estrela, do estrelato ao fim trágico”.

- Como vai monsieur Lorenzo?

- Louise, que bom que você voltou! Preciso lhe contar algo que deixei passar na nossa última conversa.

- O que seria monsieur?

- No dia da estreia, fui até aos fundos do teatro fumar um cigarro e vi um homem perto das lixeiras, não era alguém do elenco e nem dos empregados, não consegui ver seu rosto, pois vestia chapéu e seu rosto estava coberto por algum tipo de lenço escuro, quando ele me viu saiu em direção ao beco e sumiu.

- Hum, o tal homem misterioso com o rosto coberto, Antônio já havia me falado desse tal homem, ele o viu saindo do teatro na noite do crime.

- Então ele teve acesso ao teatro pelos fundos, mas é impossível a porta fica o tempo todo fechada por dentro.

- A não ser que alguém tenha aberto para ele monsieur, alguém que conhecia esse homem um cúmplice, senhor Lorenzo preciso falar com um homem chamado James, Tatiana me disse que ele costuma vir aqui com frequência.

-Sim de fato, ele sempre está por aqui, é como se fosse sua segunda casa, é um homem bom e de uma voz poderosa, ele faz o papel do homem misterioso com roupa preta, você lembra-se desse ato?

- Sim lembro e foi bem assustador, posso falar com ele agora?

-Claro que sim, vou chamá-lo.

James foi ao encontro de Louise e seu rosto tinha ares de preocupação.

- Sente-se monsieur, sou Louise Bonnet, você já deve me conhecer do dia da estreia?

-Sim madame, eu já a conheço.

- O que o senhor pode me dizer a respeito do relacionamento de Mirella com o restante dos artistas?

- Apenas profissional pelo que sei, nos conhecemos muito pouco e não tivemos tempo para uma conversa amigável se é que me entende, no inicio foi difícil para ela, mas aos poucos tudo foi se resolvendo e sua relação com todos era de trabalho diário e dedicação.

- E Tatiana, a menina russa tinha um bom relacionamento com Mirella?

- Apenas profissional, como todos os outros.

- Eu notei no funeral que você estava bem íntimo de Tatiana e até estavam sorrindo, algo inapropriado para a ocasião.

- Não era nada demais madame, eu contava uma piada para ela, a fim de distrair e tirar um pouco daquele ar pesado, que estava por lá, eu ainda brinquei e disse para ela que seu caminho agora estava livre, mas me mandou ficar quieto.

- O que o senhor queria dizer com caminho estar livre? Indagou Louise.

- Com a morte de Mirella a vaga de cisne negro ficou em aberto, Tatiana seria o cisne negro antes de Mirella voltar de viagem, um fato que deixou ela um pouco chateada, mas depois aceitou sem problemas, ela é jovem e tem uma carreira pela frente.

- A paciência é uma virtude, um dia ela chega lá com trabalho e dedicação, mas tem algo mais que poderia me dizer sobre a noite de estreia?

- Nada além do já foi dito, foi uma noite agitada e de muito trabalho, mas infelizmente acabou tragicamente.

- Uma última pergunta que preciso lhe fazer, o senhor notou se algum estranho circulava pelo teatro naquela noite, alguém que não fazia parte do elenco ou um funcionário desconhecido.

- Não que eu lembre não senhora, não tive tempo para observar nada além do normal.

- Agradeço pelo seu tempo James, se lembrar de algo peça para Lorenzo entrar em contato comigo.

 

Juntando as peças

 

Louise voltou para o hotel visivelmente cansada, tudo que queria era um banho quente e algumas taças de vinho, não suportava o frio que fazia em Roma e apesar de quase não nevar na cidade, esse inverno estava diferente, neve, frio e vento deixavam tudo pior, parecia que tudo estava conspirando contra ela.

Louise pegou todas suas anotações e espalhou sobre sua cama, cada dossiê estava marcada com o nome e a função de cada um, Marie, a empregada fiel de Mirella que escondia um segredo de Enzo, uma relação quase de mãe e filha sem suspeitas e sem julgamentos; Lorenzo, o diretor da ópera, que mais é um egomaníaco, que só pensa em si e no sucesso, que jamais faria algo que comprometesse sua obra de arte mais desejada; Tatiana, a jovem ambiciosa, dona de uma bela voz, seu ciúme era tão grande a ponto de cometer tal ato de covardia? Enzo, o marido jovem e agora viúvo, ele amava sua esposa e a protegia com a própria vida, as aparências enganam Louise e você não pode descartar ninguém; Antônio, um homem que não seria capaz de matar nem uma mosca, mas muitos assassinos tem bipolaridade e, neste caso, não seria surpresa alguma se nosso amigo fingisse ser alguém que não é; E James, o inglês contador de piadas, alguém que não seria notado facilmente se não abrisse sua boca para falar besteiras. E por fim o jovem irmão de Enzo, Luca, que é um mistério e não posso colocá-lo na cena do crime e nem pude falar com ele, mas não o descarte Louise, como diz o ditado “todos são suspeitos até que se prove o contrário”.

- Não consigo ver ligação entre eles a não ser profissional, pense Louise você está deixando escapar algo.

Entre um gole de vinho e outro, Louise coçava a cabeça e revirava suas anotações sem chegar a um consenso. Esse quebra-cabeça está incompleto e a peça que falta pode estar por aí, andando livremente, mas quem?

- Pense... pense mulher, o que você deixou passar?

Louise quase pulou da cama ao lembrar-se de algo, que deixou passar.

- Ó, mon dieu... onde eu estava com a cabeça? É isso, preciso chegar até ao tal primo de Marie, que mora no Brasil, se ligar ele a algum dos suspeitos, bingo, acabo pegando o assassino, se este veneno chegou até aqui, foi por intermédio do primo de Marie.

Louise pela manhã foi até a casa de Enzo a procura de Marie, mas não a encontrou, Enzo disse a ela que Marie tirou uns dias de folga, estava muito triste com a morte de Mirella e não conseguia ficar na casa.

O fato estranho é que Enzo não sabia para onde ela foi e nem tinha como entrar em contato com ela.

- Seria uma coincidência ou algo planejado essa ausência repentina de Marie, quando fui vê-la parecia muito bem emocionalmente, até o fato de mencionar seu primo, que mora no Brasil, há algo errado e preciso encontrar Marie o mais rápido possível.

Muito pouco se sabia sobre a vida de Marie e que lugares costumava frequentar, então Louise resolveu investigar todos os passageiros que viajaram nos dois últimos dias e descobriu que Marie fora para Milão, mas por que Milão e qual real motivo dessa viagem inesperada?

Perguntas sem resposta até o momento.

- Mas como achar Marie em Milão se não tenho nenhuma referência, a não ser que Enzo saiba de algo e a está escondendo? Não seria prudente da parte dele atrapalhar uma investigação, ainda mais sendo de sua esposa. E se o tal primo não estiver no Brasil e sim em Milão com ela? Será que Marie sabe mais do que me contou?

Louise ficou sabendo que Lorenzo iria encenar novamente o cisne negro e para sua surpresa Tatiana seria a estrela principal, o que a deixou um pouco aborrecida, devido ao fato de que a morte de Mirella era muito recente, mas se tratando de alguém egoísta como ele, nada de bom poderia esperar.

Alguns dias se passaram e Louise não tinha notícias de Marie, estava começando a ficar impaciente e o tempo passava sem nada ser resolvido, queria voltar para casa, mas não desistiria sem concluir o caso.

Resolveu fazer uma visita para Enzo, quem sabe Marie já tivesse retornado e, finalmente, ela poderia entrar em contato com o tal primo distante?

Para a surpresa de Louise foi Marie que atendeu a porta.

- Mademoiselle Marie que surpresa encontrá-la em casa, posso entrar?

- Mas é claro que sim, entre e fique à vontade, mas o senhor Enzo não está.

- Não é com ele que quero falar e sim com você.

- Comigo senhora, o que eu teria de interessante para lhe contar?

- Eu fiquei sabendo que a senhora tirou uns dias de folga e foi para Milão, algum parente por lá ou só umas férias para descansar?

-Na verdade tenho uma tia que mora por lá, irmã de minha mãe e está muito velha e vive em um asilo, tem 98 anos, é a única parenta viva da parte de minha mãe.

- Nossa, mas ela tem vitalidade mesmo, espero que eu viva bastante também, mas na minha profissão o estresse é muito alto e não sei se chego lá. Preciso do contato de seu primo que vive no Brasil, por isso vim falar com a senhora.

Louise ouviu uma voz masculina chamar por Marie.

- Achei que o senhor Enzo não estava em casa Marie.

- E não está senhora, esse é seu irmão Luca, que veio fazer uma visita. Dê-me um minuto e já volto.

Marie voltou em seguida com uma aparência diferente da normal, parecia ter se incomodado com Luca.

- Tudo bem com a senhora? Está com o semblante diferente.

- Não é nada não, ele é um rapaz muito difícil de lidar e bem diferente do irmão, que é dócil e educado.

- Entendo sua posição, mas preciso que entre em contato com seu primo e pergunte se alguém esteve no Brasil e o procurou a respeito de um tipo de planta venenosa, preciso saber se essa pessoa trouxe algo para a Itália e, se possível, que ele o identifique.

- É difícil senhora há muito tempo não falo com ele, não sei se ainda mora por lá, mas posso tentar e se souber algo eu lhe informo.

- Obrigada por enquanto Marie e mande lembranças ao senhor Enzo.

De volta ao hotel Louise começou a analisar suas anotações novamente, ficou muito desconfiada quando soube que o irmão de Enzo estava em sua casa e a história da tia, que mora em Milão não a convenceu, se o tal veneno entrou pelo país deve ter algum registro da chegada, nenhum tipo de substância ilegal entra em um país sem ser autorizada.

- Posso conversar com o pessoal da alfândega e ver se tem algum registro e talvez descobrir o nome de quem a trouxe.

 

Uma pista venenosa

 

Louise chegou à Alfândega logo cedo e foi direto falar com o encarregado de despachos e autorizações, era um homem gordo e chegou bem na hora de seu lanche matinal, enquanto devorava um sanduíche, com uma xícara de café, Louise parou em sua frente, mas o homem não deu atenção e continuou comendo, como se ele fosse invisível, com ar de reprovação bateu na mesa e fez com que o homem quase derrubasse café em sua roupa.

-Bom dia senhora, desculpe eu não reparei em você, em que posso ajuda-la?

- Deu para notar o sanduíche, estava tapando sua visão, disse em tom sarcástico.

- Sou Louise Bonnet, investigadora da polícia francesa e estou investigando um caso de assassinato, preciso de acesso aos itens que chegaram ao último mês, em particular vindos do Brasil.

- A senhora tem autorização para investigar nesse país?

- Tenho sim senhor, estou encarregada do caso, junto à polícia italiana.

- Muitos objetos chegam e ficam retidos por aqui, algum em particular que a senhora procure?

- Procuro por algum tipo de planta exótica em particular.

- Eu me lembro de algo desse tipo ter chegado por aqui, eu tenho o registro em algum lugar deixe-me ver, está aqui é algum tipo de erva medicinal, vinda do Brasil, achei, pode dar uma olhada.

- Mas aqui não especifica o que é e nem quem trouxe.

- Sim, não aparece, pois é classificada como uma planta normal, um tipo de remédio natural, mas os registros finais e assinaturas ficam em outra pasta, deixe-me ver pela data se encontro, está aqui foi retirado por um tal de Luca Caruso.

- Luca Caruso? Você tem certeza? Deixe-me ver. Você saberia me dizer se alguém em particular entende desse tipo de planta por aqui?

- Tem um lugar chamado Savage Kingsdom, no centro da cidade, eles trabalham só com plantas medicinais e talvez possam ajudar.

- Obrigado pela informação e aproveite seu café.

Louise saiu às pressas da Alfândega, em direção ao centro, estava certa de que agora sua busca chegaria ao fim.

Savage Kingsdom era uma pequena loja cheia de plantas e ervas medicinais, mais parecia uma pequena floresta em meio à cidade.

- Bom dia senhor, me chamo Louise Bonnet, sou da policia francesa e gostaria de informações sobre certo tipo de planta exótica, mais precisamente vinda do Brasil.

- A senhora sabe o nome dessa planta? Perguntou o atendente.

-Sei sim, me dê um minuto, está anotado por aqui, achei o nome é Strychnos e Chondodentron.

- Esse é o nome dado ao veneno que dela é extraído, é muito raro por aqui, mas lembro de um rapaz me procurar pedindo informações sobre esse tal veneno e de como usá-lo.

-O senhor lembra o nome dele ou de como era sua aparência.

-O nome eu não recordo, mas lembro de bem dele sim, era jovem estava bem vestido e usava um chapéu preto.

- Muito obrigado pela sua ajuda, me ajudou muito com certeza, tenha um bom dia.

Louise voltou ao hotel e começou a colocar suas ideias em prática, já tinha descoberto como o veneno chegou ao país e quem estava em posse dele, mas seria ele o assassino ou somente um mensageiro? E qual ligação de Luca com os outros suspeitos se é que existe alguma?

Louise conseguiu um mandato de busca e apreensão domiciliar para a casa de Luca, já sabia onde ele morava, à Rua Rover Street, 153.

Estava acompanhada de dois policiais quando chegou ao endereço, Luca abriu a porta e ficou surpreso ao ver a polícia.

- Em que posso ajudar policiais?

- Sou Louise Bonnet, investigadora e temos um mandato assinado pelo juiz Robert para entrar em sua casa e se resistir irá preso, você é suspeito de matar Mirella Caruso e deve nos acompanhar até à delegacia.

- Mas estou sendo preso?

- Ainda não, é apenas um interrogatório.

Nada foi encontrado na residência de Luca, mas Louise sabia que ele estava escondendo algo.

Uma grande reviravolta estava para acontecer no caso e um ponto de interrogação começava a se formar na mente de Louise Bonnet.

Louise sentou de frente para Luca e começou a revisar suas anotações, enquanto batia com os dedos na mesa fazendo um barulho de trote, então perguntou:

- O navio está afundando Luca, basta saber se você irá afundar com ele ou embarcar no último bote salva-vidas?

- O que a senhora quer dizer com isso detetive?

- Que seu tempo está acabando e se não me der as respostas certas você vai afundar junto com o navio, se irá sozinho, depende de você, me diga como conseguiu a tal planta rara vinda do Brasil e por que foi se informar sobre seu veneno, para quem você trabalha? Indagou Louise.

- Você deveria perguntar ao meu irmão, ele é um colecionador de plantas raras e exóticas, ele não lhe disse?

- Então a tal planta foi encomendada pelo seu irmão e qual finalidade de extrair veneno da mesma?

- Ele está com uma infestação de ratos em sua casa, por isso queria a planta e seu veneno para dar cabo de todos os ratos, Mirella tinha pavor desses bichos e vivia pedindo a Enzo que desse um jeito de se livrar deles.

- Acho que você não está me contando toda verdade e está omitindo a verdade ou protegendo alguém.

- Pergunte a ele se estou mentindo, vá até sua casa e veja por si mesma, sua estufa cheia de plantas exóticas, você vai encontrar as respostas a essas perguntas, mais uma coisa detetive, Enzo tinha uma amante é só que vou lhe dizer, pergunte a ele e quem sabe ache suas respostas.

-Uma amante, mas que surpresa intrigante, pobre Mirella morreu achando que o marido a amava.

- Não quer dizer que ele não a amava, certos homens precisam de algo mais em seus casamentos, como uma válvula de escape, algo para fugir da rotina, se é que me entende.

- Não concordo com você, fique aqui até eu confirmar sua história com seu irmão e se o que você disse for verdade, você está liberado para ir, se precisar de algo peça os guardas.

Uma onda de sentimentos invadia a mente de Louise ao ouvir as últimas palavras ditas por Luca, uma amante ou seria algo inventado para tirar o foco de sua pessoa. Perguntas sem respostas até o momento, mas que Louise iria descobrir a verdade a todo custo.

Louise foi até a casa de Enzo atrás de respostas e foi recebida por Marie, estava cansada de mentiras e queria de uma vez terminar com todo esse mistério.

- Olá detetive, está à procura do senhor Enzo? Ele está na estufa nos fundos da casa, cuidando de suas preciosas plantas, deixe que levo você até lá.

- Obrigada Marie, mas me diga por que eu não fui informada desses detalhes antes?

- Que detalhes são esses que a senhora se refere?

- A estufa de plantas e o fato do senhor Enzo gostar de plantas exóticas, a ponto de trazer do Brasil.

- Sim senhora, me perdoe por omitir essa informação, mas achei que não era relevante para a investigação e não sei se ainda é.

- Mas foi seu primo que a enviou correto? Perguntou Louise.

- Sim de fato, foi mesmo, mas isso não o torna um suspeito imagino.

- Não senhora, mas abre alguns pontos de interrogação em minha mente.

- Ele está logo ali senhora. na estufa de vidro, com licença.

- Com licença senhor Enzo, tem um minuto?

- Mas é claro detetive, fique à vontade, estou cuidado de minhas plantas raras, é um passatempo que tenho, me distrai um pouco nesse período difícil de minha vida.

- Entendo sua situação, mas vou ser bem direta com o senhor, seu irmão Luca está detido na delegacia para interrogatório e eu conversei um pouco com ele e me foi revelado coisas a seu respeito, que me deixaram preocupada.

-O que aquele irresponsável fez dessa vez? Aposto que andou difamando meu nome.

- Ele me revelou algo sobre uma planta vinda do Brasil encomendada pelo senhor, uma planta exótica e de um veneno mortal, me disse que era por causa de uma infestação de ratos, isso é verdade?

- Sim é verdade e deixe eu lhe mostrar como ela é eficiente, veja nesse saco preto a quantidade de ratos que já exterminei com seu veneno.

Enzo abriu o saco e o cheiro era insuportável, nele havia vários ratos mortos de todos os tamanhos.

- Mon dieu, que coisa horrorosa! Disse Louise.

- Acredita em mim agora? Ele não mentiu sobre isso e até acho nobre de sua pessoa, uma vez que nada de bom posso esperar de meu irmão.

- Tem outra coisa que ele me contou e que talvez o senhor se ofenda um pouco.

- O que seria madame?

-Ele me disse que o senhor tem uma amante e que eu encontraria as respostas para minhas perguntas com o senhor.

- Maldito seja você Luca, desculpe minhas palavras detetive, mas meu irmão costuma me tirar do sério.

- Eu já estou acostumada com esse tipo de linguagem e já escutei muita coisa pior em minha carreira, me diga senhor Enzo isso é verdade?

-Infelizmente sim senhora, me sinto muito mal com essa situação e em memória de Mirella eu dei fim a esse relacionamento.

- Entendo, mas você poderia me dizer quem era sua suposta amante?

- Já que tudo acabou eu posso dizer, era Tatiana a jovem russa do teatro.

- Eu já suspeitava que o ciúme que tinha de Mirella não se limitava somente ao palco, o senhor acha que ela pode ter algo a ver com o assassinato?

- De forma alguma não, ela é uma moça muito dócil e não faria mal a ninguém, eu saberia se ela tramasse algo com certeza, mas você deve ficar de olho no diretor Lorenzo, pois o vi conversando com meu irmão no teatro em várias situações e certa vez ele comentou que sua obra ficaria marcada para sempre, pelo bem ou pelo mal.

- Interessante linha de pensamento, algo a se verificar mais de perto.

Mais dúvidas estavam se formando na mente de Louise.

- Seria um jogo de xadrez em que as peças se movem por conta própria ou alguém estava jogando dos dois lados?

- Mas onde estaria a arma do crime e qual ligação de Luca com Lorenzo?

Mais perguntas sem respostas, o que levou Louise a lembrar de um caso complicado de alguns anos atrás, um assassinato ocorrido no Cairo, no Egito, que envolvia quatro suspeitos sem ligação direta no crime, mas que no final se provou o contrário.

Estava seguindo essa linha de pensamento, mas teria que ligar os fatos e provas a um provável assassino e quatro cúmplices, algo difícil de dizer sem a prova principal e sem ninguém confessar tal crime.

- Está parecendo um jogo de intrigas, onde cada um aponta um suspeito sutilmente. Mas quem é realmente Lorenzo? Seria apenas um homem ambicioso e sem escrúpulos a pondo de fazer de tudo em busca da fama e sucesso, ou uma mente criminosa e manipuladora?

Louise novamente teria que buscar respostas com Luca, as insinuações de Enzo a deixaram bem intrigada naquele momento, queria juntar as peças que faltavam antes que alguém escapasse sem deixar rastros.

Louise estava de volta à delegacia e disposta a tirar as respostas que precisava de Luca, estava cansada desse jogo de palavras sem sentido.

Louise entrou na sala e encarou Luca diretamente e sem dizer nada se sentou e tirou novamente suas anotações, colocando-as sob a mesa.

- Vamos ser diretos e deixar esse seu joguinho de lado, confirmei sua história com seu irmão, até ai está tudo certo, mas surgiu algo que me deixou um pouco intrigada, qual sua relação com o diretor do teatro, o Lorenzo? Perguntou Louise com o semblante sério.

- Achei que você fosse mais esperta detetive, mas vejo que sua investigação está cheia de pontas soltas.

- O que você quer dizer com isso? Chega de joguinhos e me diga a verdade, antes que mande prender você de uma vez, não queira testar minha paciência, pois ela tem um limite e você está cruzando uma linha muito perigosa, nesse momento, me diga a verdade.

Louise se irritou e bateu com força na mesa fazendo Luca se jogar para trás, quase caindo da cadeira.

- Calma detetive, já vamos chegar lá, tenha paciência e desfrute do prêmio no final, você já tem o coringa, agora só falta colocar as cartas na mesa.

- Cansei do seu joguinho, aproveite sua noite em uma cela fria e solitária.

Louise chamou um dos guardas para escoltar Luca até uma das celas.

- Você não pode fazer isso, não tem provas contra mim.

- Posso e estou fazendo, você é suspeito de um crime e está omitindo informações e até que se prove o contrário vai ficar preso.

Agora Louise precisava encontrar uma maneira de descobrir a ligação de Luca com Lorenzo, já que nada de concreto conseguiu tirar de seu depoimento, estava cansada de charadas e sua paciência tinha chego ao limite.

Louise então resolveu virar o jogo e mandou que alguns policiais fossem até o teatro buscar Lorenzo para um interrogatório, ao mesmo tempo pediu que fizessem uma busca em seus objetos pessoais, queria encontrar algo que o ligasse a Luca e por fim ao crime.

Lorenzo estava agitado, quando chegou à delegacia, não sabia o que esperar e nem o porquê de estar ali.

- Sente-se e fique à vontade, senhor Lorenzo.

- Por que estou aqui detetive? Perguntou.

- O senhor está aqui para um interrogatório, não está à vontade presumo eu, está com uma aparência cansada ou é apenas preocupação?

- Estou cansado sim senhora, tem sido uma semana difícil e como já deve saber meu espetáculo vai novamente estrear em alguns dias, temos uma nova estrela no papel de cisne negro.

- Eu já estou sabendo que é Tatiana, bem conveniente para ela imagino, já que era seu sonho estrelar como atriz principal, só acho que sua voz não se compara com a da falecida Mirella, bom, mas é o que temos no momento, o senhor não acha?

- Mirella jamais vai ser esquecida e não tem como comparar uma estrela com uma jovem iniciante ao estrelato.

- Concordo com seu ponto de vista, mas não é onde quero chegar com esse interrogatório e sim na sua ligação com Luca irmão de Enzo.

- Mal conheço esse rapaz, ele foi algumas vezes no teatro me pedir emprego, nada, além disso.

Louise pensou por um segundo, quando um policial entrou na sala e a chamou.

- Encontramos algo estranho nos pertences do senhor Lorenzo, parece um cano feito de madeira com enfeites indígenas.

- Mon dieu a zarabatana usada no crime, bom trabalho rapazes.

Louise entrou na sala e trazia com ela a arma usada no crime, sentou-se em sua cadeira e colocou sobre a mesa para espanto de Lorenzo.

- Você reconhece esse objeto senhor Lorenzo?

- Nunca vi esse tipo de coisa madame, o que é isso? Perguntou

- É chamada de zarabatana no Brasil e é usada pelos índios locais para caçar animais, essa é a arma que foi usada para matar Mirella e foi encontrada no teatro junto a seus pertences.

- Isso não é meu, alguém está tentando me incriminar.

- Deixe desse seu joguinho bobo e diga a verdade, seu amigo está em uma cela aqui ao lado e já me contou tudo.

- Eu estou dizendo a verdade detetive, não conheço esse objeto e não sei como foi parar em minhas coisas.

- Até que se prove o contrário, você é suspeito de assassinato e ficará detido até o final dessa investigação e cuide com o que diz agora, pois pode ser usado contra você no futuro.

Louise chamou os guardas para escoltarem Lorenzo até a uma das celas. Precisava interrogar Luca novamente. Sua intuição dizia que mais pessoas estavam envolvidas no crime e que todos estavam encobrindo algo, o círculo começava a se fechar para Louise e revelações seriam feitas nas próximas horas.

 

Dois coelhos na mesma armadilha

 

Louise estava com sua armadilha pronta para pegar Luca, só não sabia se ele cairia em sua conversa.

- Eu espero que agora você seja mais direto e verdadeiro em suas respostas Luca, seu amigo Lorenzo também está em uma cela neste momento e ele nos disse tudo e sua situação só está complicando neste momento.

- Você acha que me engana detetive com seu jogo duplo, já disse para você investigar melhor meu irmão, ele sim tem algo a esconder e somente ele teria algo a ganhar com a morte de Mirella.

- Ele já me contou tudo que eu precisava saber, basta você me dizer tudo que sabe e talvez eu consiga que sua pena não seja de morte.

- Você me faz rir detetive, o que tem contra mim de concreto, uma planta que fui buscar para meu irmão, isso me torna um assassino? Acho que não.

- Você se acha muito esperto não é Luca? Mas não passa de um garoto mimado e que vive à sombra do irmão.

- Meu irmão não faz nada sozinho, eu faço tudo para ele, porque na verdade ele é um covarde. Começou a se irritar e falar em tom alto.

- Quem você acha que ele pediria para se livrar da esposa se não eu? Ficou mudo.

- O que você disse, então foi ele que pediu para você matá-la?

- Você e sua boca grande Luca, você conseguiu me tirar do sério detetive e quando isso acontece as verdades saem de minha cabeça feito ratos fugindo do fogo.

Louise conseguiu tirar o máximo da verdade de Luca e agora tudo se encaixava, só faltavam as peças principais em seu tabuleiro de xadrez.

Louise mandou chamar todos que ela achava serem suspeitos ou que tivessem algum envolvimento com Mirella e os colocou em uma sala para finalmente esclarecer todo mistério, que envolvia o caso.

Lá estavam o marido Enzo, a jovem Tatiana, a empregada Rose, Luca e Lorenzo, o clima era tenso e ninguém sabia o que esperar naquele momento.

Louise entrou na sala acompanhada de dois policiais e com ela a zarabatana, o dardo e a planta exótica vinda do Brasil.

- Eu sei que vocês devem estar se perguntando o que significa esses objetos em cima da mesa? Bom, deixe-me explicar o porquê de cada um deles, começando pela planta exótica vinda do Brasil, foi dela que extraíram o veneno que matou Mirella, veneno esse que foi colocado nesse pequeno dardo e disparado por esse cano chamado zarabatana, ele é muito utilizado pelas tribos indígenas na Amazônia para atordoar e matar animais, foi o caso de nossa querida Mirella, que além de ser envenenada, ainda tinha uma grande quantidade de aspirina em seu corpo, isso fez com que o veneno tivesse uma reação mais rápida e letal.

Começou a falar, de um lado a outro na sala:

- Essa planta chegou até à Itália por intermédio de Marie e seu primo que mora no Brasil e foi retirada na Alfândega por Luca, irmão de Enzo, com a finalidade de extrair o veneno para matar uma infestação de ratos em sua casa, uma vez que Enzo é um grande admirador de plantas raras e exóticas, até o momento está tudo certo, mas quando alguém se apropria do veneno e usa para fins criminosos começa um jogo de xadrez, onde as peças se movem por conta própria meus amigos e vocês são essas peças.

E continuou:

- Uma grande conspiração foi formada a partir da chegada dessa planta, em solo italiano, a jovem Tatiana que há muito queria ser estrela principal de uma ópera, o nosso viúvo e fiel marido, agora nem tanto já que sabemos que ele nutria uma paixão por Tatiana e um caso secreto que só terminou após a morte de Mirella, o nosso aclamado diretor do teatro, que não mede esforços para alcançar fama e sucesso, a qualquer preço, Luca o irmão problemático e nosso mensageiro e por fim Marie, a fiel empregada de Mirella e nossa ponte entre o Brasil e a Itália.

Gesticulava com precisão diante dos olhos atônitos dos espectadores assustados:

- Agora vamos aos fatos reais de toda essa trama, foi feita uma busca no teatro e entre os pertences de Lorenzo foi encontrado a nossa arma do crime a tal zarabatana, a planta estava como todos sabem em posse de nosso amigo e viúvo Enzo, mas quem teria vantagem na morte de Mirella e por que matá-la foi a melhor solução? Em primeiro lugar o maior beneficiado seria Enzo, o marido infiel, uma vez que viúvo ele poderia seguir adiante com seu romance com Tatiana e em segundo lugar, por que Mirella tinha um seguro de vida milionário, em que o beneficiário seria Enzo, não muito atrás vem o nosso amigo Lorenzo, que com a morte de Mirella ganhou mais fama e publicidade em seu espetáculo do cisne negro, a ponto de uma reestreia com casa lotada e divulgação em todos os jornais locais, Tatiana por tirar uma adversária poderosa de seu caminho, tornando-se ela a mais nova estrela a representar o cisne negro na ópera e nosso amigo Luca, que foi a peça principal de toda essa trama e o nosso assassino. De toda essa trama somente uma pessoa é inocente e foi usada sem saber de nada, nossa querida Marie.

-Você não tem provas nem uma confissão assinada de ninguém, disse Enzo.

- Tenho sim e do seu próprio irmão, que após uma discussão deixou sair algo que não queria contar, por isso eu fiz um acordo com ele em troca da verdade e dos nomes dos envolvidos, portanto Enzo, Tatiana e Lorenzo vocês estão presos por conspiração e por mandar matar Mirella Caruso e, é claro, Luca por ter assassinado nossa vítima. Podem levá-los policiais e Marie você está livre para ir.

- Obrigado por esclarecer a morte da nossa queria Mirella, eu nunca imaginei que o senhor Enzo faria uma coisa dessas em todo minha vida.

- Por dinheiro e amor minha querida têm pessoas que fazem de tudo para se dar bem.

Louise saiu na primeira página do jornal mais importante da Itália, onde dizia a seguinte manchete:

 

Detetive francesa desvenda conspiração e morte de Mirella Caruso.

           

Finalmente estava de volta em casa e foi recebida com honras pelo diretor geral da polícia francesa, ganhou uma medalha e foi promovida a chefe geral de investigação criminal, não podia estar mais feliz, com mais um caso resolvido e seu nome seria para sempre lembrado como uma das maiores investigadoras da policia francesa. - Louise você é demais! Pensou ela após ler seu nome em uma placa em sua nova sala.

 

Fim

 

 

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